Durante as quase quatro horas de reunião entre representantes dos diversos setores da educação chilena e o presidente Sebastian Piñera, em La Moneda, podiam-se ouvir gritos pela gratuidade da educação do pátio do palácio – onde se postou a imprensa credenciada – vindos de estudantes e professores que permaneciam do lado de fora do prédio. Explica-se a ansiedade: após três meses de protestos, finalmente os líderes do movimento estudantil foram recebidos pelo governo. Representantes dos alunos do ensino médio, dos professores, dos estudantes universitários e dos reitores, além do próprio ministro da Educação, Felipe Bulnes, demonstraram seu otimismo em relação ao início da negociação, que promete ser longa. E todos lembraram o trágico acidente com um avião das Força Aérea do Chile, a 670 quilômetros da costa do país.
A primeira rodada serviu para que os líderes do movimento estudantil esclarecessem pontos prioritários. A única decisão concreta que saiu da reunião foi que, na segunda-feira, será apresentada por Piñera e Bulnes uma proposta de trabalho que determinará, com prazos, temas e prioridades para o início de uma reforma no sistema educacional chileno. Depois disso, a proposta será discutida por representantes de ensino em nível nacional. Embora os representantes dos estudantes que estiveram com Piñera tenham demonstrado confiança na negociação, é cedo para saber os efeitos do diálogo sobre os ânimos dos estudantes.
Há duas semanas, o movimento se exaltou de tal forma nos centros estudantis, que culminou em paralisações que não têm data para terminar. Na Universidade do Chile, apenas uma faculdade de todo o campus segue tendo aulas - os próprios alunos escolhem semanalmente se voltarão a estudar na semana seguinte, ou não. Na Universidade Católica, o cenário de mobilização se repete – embora menos drástico. Nesta semana, 16 das 33 faculdades já voltaram às aulas. Os protestos também chegaram a outras cidades do Chie. Em Temuco, os estudantes estão há dias em greve de fome.
Protestos - Apesar do otimismo, todos concordam que um acordo final ainda está longe de ser alcançado. Os professores prometeram seguir com as discussões sobre o assunto. O presidente do Colégio de Profesores, Jaime Gajardo, adiantou que na próxima quinta-feira deve haver uma “ação continental de apoio à educação pública” com a participação de outros países da América Latina. Os estudantes universitários também não descartaram a possibilidade de novas manifestações, conforme a reação do governo.
A porta-voz Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), salientou que faltaram ao encontro deste sábado representantes de alguns setores na mesa de negociação e prometeu uma análise cuidadosa do calendário a ser definido pelo estado. “Pelo menos, vimos que existe disposição do governo em avançar, mas isso não quer dizer que deixamos o movimento de lado”, disse, lembrando que o próprio presidente Piñera nunca fez tal solicitação.
A continuação dos protestos tende a pressionar não apenas o governo de Piñera, mas também a polícia, que enfrenta uma crise interna desde a morte do adolescente Manuel Gutiérrez, de 16 anos. A repressão policial a uma greve de 48 horas promovida pelo movimento estudantil acabou com o assassinato do jovem. O oficial apontado como autor do disparo, Miguel Millacura, está em prisão preventiva.
Otimismo - O reitor da Universidade do Chile, Víctor Pérez, destacou a franqueza de todas partes envolvidas. “Todos estamos conscientes da urgência da reforma”, acrescentou. O ministro Bulnes também se mostrou esperançoso com o diálogo, que considerou “útil” e “franco”. “Foi uma aproximação positiva, em que houve intercâmbio entre os diferentes pontos de vista. Agora, vamos acordar os temas de maior interesse em comum para chegar a soluções. Já sabemos que concordamos em partes importantes, e o governo já se mostrou disposto a fazer um investimento significativo no setor”, disse.
Foi a primeira vez que o presidente sentou para conversar com os manifestantes sobre sua doze propostas para a educação. O governo havia apresentado publicamente algumas concessões, mas elas não foram consideradas satisfatórias pelos estudantes - como a gratuidade da educação e o fim do lucro das instituições que recebem dinheiro público.
Entenda o caso
• Em maio, estudantes chilenos tomaram as ruas do país para protestar contra a má qualidade do ensino - e as manifestações seguem ocorrendo quase que diariamente.
• Entre as reivindicações, das quais recebem apoio da maioria da população, exigem principalmente educação gratuita.
• Em resposta, o presidente, Sebastián Piñera, lançou um plano de reforma para o setor, que amplia bolsas de estudos e créditos a taxas baixas a alunos pobres, mas a proposta não foi bem recebida.
• No dia 26 de agosto, os confrontos entre polícia e manifestantes causaram a primeira morte: um adolescente de 16 anos, que foi baleado durante a greve geral (quando centrais sindicais se uniram aos jovens).
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